Mostra Museu: um sopro de criatividade

No começo, era o nada. Quando a pandemia deu seus primeiros sinais, o mundo parou e todos ficamos paralisados. O nada se instaurou. Mas dele, fez-se a luz. A luz do sol que nasce todos os dias, mas também a luz propagada pela tecnologia, que, como uma ligação neural, fez correr a eletricidade pelas veias robóticas e humanas de todos os que viveram tal momento único da humanidade na terra. O que a princípio esteve paralisado, então, voltou a correr e a inspirar o nosso microcosmo interior – e logo o exterior. Assim desenvolveu-se a arte, a cultura e a produção criativa em diversas áreas em 2020. 

Foi assim também que a Mostra Museu teve início. Se antes, era o nada, a partir da eletrizante onda criativa que turbinou a Internet neste período, viu-se o total brilho da mente humana. Aqueles que se consideravam ou não artistas, criaram. E um pouco do que vimos nascer em um ano tão fatal reuniu-se e, agora, mostra seu rosto em um projeto híbrido, que mistura tecnologia, presença e, claro, arte.

A comunicação e a mobilidade humana estão de mãos dadas mais uma vez. O que começa no campo das ideias encontra-se agora em pontos de ônibus, metrôs e trens; em QR Codes e em imagens que invadem nossos celulares. Criações que foram produzidas durante esse fatídico ano unem-se e dão vazão. 

A escolha das obras produzidas por diferentes artistas, sejam eles ligados às artes plásticas, ao design gráfico, ao cinema ou à animação, está sendo feito por outros que também sentiram na pele e sobreviveram aos 365 dias do ano que terminou. O que é controverso, no entanto, é que fisicamente ele pode ter acabado, mas não sem deixar um rastro de produtividade realizada em isolamento e que segue. O ar que soprou tanto em 2020 também nos trouxe a criatividade de nos reinventarmos. 2021 começa unindo a arte pelo mundo em um projeto sensível que costura essa sinuosa trama que tem como ponto de partida a nossa transformação.

Ana Carolina Ralston
Curadora

Ana Carolina Ralston

Curadoria Artes Visuais

Ana Carolina Ralston é curadora de arte e jornalista. Hoje atua como curadora independente, assinando textos e projetos para galerias e instituições no Brasil e no exterior. No ramo das artes, já foi diretora artística da Galeria Kogan Amaro, com unidades em São Paulo e Zurique, e curadora do museu FAMA, em Itu/SP, de 2018 a 2020. Como jornalista, assina atualmente como redatora-chefe da revista Moda Fhits Estadão, publicação mensal que acompanha o jornal O Estado de S. Paulo, sobre moda e cultura. Já foi editora sênior de cultura e lifestyle da Vogue Brasil, entre 2013 e 2018, e assinou as edições de 2019 da Harper’s Bazaar Art. Fez mestrado em jornalismo cultural pela Columbia New York University na Espanha e, atualmente, cursa pós-graduação em arte, crítica e curadoria na PUC-SP.

The Covid Art Museum

Co-curadoria Artes Visuais

O The Covid Art Museum é o primeiro museu digital a exibir arte criada durante a pandemia do coronavírus. Ele nasceu no dia 19 de março, três dias após o início da quarentena na Espanha, por Emma Calvo, Irene Llorca e José Guerrero, três criativos que trabalham na área de publicidade do país europeu. O objetivo do The Covid Art Museum é coletar testemunhos artísticos sobre a crise da saúde, bem como dar visibilidade e valorizar as obras realizadas pelos artistas em suas casas, além de construir conexões entre pessoas que passam pela mesma experiência.

As obras em exibição nas redes sociais deram origem a uma mostra pluralista do que significa a pandemia. Cada artista traz suas próprias experiências e reflexões sobre essa situação. As técnicas utilizadas nas obras são as mais variadas, entre elas fotografias, ilustrações, instalações e animações. Hoje, o projeto conta com um acervo digital de mais de 1.000 obras de 120 países e seus fundadores participam como co-curadores da Mostra Museu – Arte na Quarentena.

Em março de 2020 o coronavírus oficialmente determinou um lockdown nas nossas atividades cotidianas, que nos fizeram ter muitas incertezas. Fez-se silêncio nas  ruas – e em nós. As casas de shows, maior fonte de renda dos músicos, fecharam, mas a música fez companhia a todes, isolados em nossas casas, num ano tão difícil e inegavelmente histórico. A cultura, mais uma vez, nos ajudou a sobreviver, enquanto os artistas provedores de nossas alegrias se reinventavam em seus silêncios, sem nunca parar.

Ao alcance do que tinham suas cabeças pensantes e generosas, eles nos deram frutos que alimentaram nossos ouvidos e olhos. Novas sementes também brotaram num tempo de encolhimentos. Além de canções, algumas
delas gravadas em novos formatos e à distância, nos deram registros audiovisuais que marcam um momento mundial, de muitos protocolos e cuidados em cena que exigiram ainda mais da criatividade.

Nenhum sistema vai nos calar, nenhum sistema nos calou. Na contramão do asfixiamento e da necropolítica, a cultura brasileira envergou mas não quebrou. E a Mostra Museu também se conecta a ela pela música nesse recorte de artistas consagrados que se reinventaram e as novas direções e vozes que a música brasileira nos deu mesmo em isolamento e distanciamento.

Aos 70 anos de vida, Numa Ciro nos deu um banho de vida e renovação e lançou seu primeiro disco. De uma nova e efervescente geração do rap nacional, Baco Exu do Blues adiou um disco pronto e fez outro – Não Tem Bacanal na quarentena – gravado em apenas três dias. Um outro trabalho para um momento presente.

Num ano em que o racismo, enfim, provocou comoção mundial a partir do assassinato de George Floyd pela polícia americana, a paulistana Jup do Bairro despontou com seu álbum-manifesto “Corpo Sem Juízo” explorando ainda outros temas, como sexualidade, gênero, a vida real da periferia. É da periferia também – mas da Bahia – que veio uma das melhores surpresas de 2020: Yan Cloud e seu disco “Pinkboy“.

A partir de um show feito meses antes da pandemia, Emicida nos trouxe um documentário-aula sobre a cultura negra brasileira e, de brinde, um encontro com Gilberto Gil. “Viver é partir, voltar e repartir” diz a canção “É Tudo pra Ontem“. Partir, voltar e repartir. Assim fez e faz a música brasileira. Nos colocando em seus tempos presentes, sem esquecer do passado para repartir na expectativa de um futuro em que a arte seja melhor compreendida.

A pandemia ressignificou a potência de se fazer ouvir, escutar, repartir. O Brasil é muito maior e diverso do que parece. É feminino, preto, indígena, LGBTqIA+. É esse Brasil que deve nos inspirar e precisa ser mais escutado
para que nossas trilhas sonoras tenham um pouco mais de amor, consciência e liberdade no ser e existir, para que, assim, a gente se encontre – e logo. 2021 promete. Escutem as playlists da Mostra Museu e assistam aos vídeos. Eles têm muito a nos dizer.

Pedro Henrique França
Curador

Pedro Henrique França

Curadoria Música

Pedro Henrique França é  jornalista, diretor e roteirista. Como jornalista, trabalhou e escreveu sobre música em redações como Estadão e Joyce Pascowitch. Assinou a direção e roteiro dos videoclipes “Pedrinho”, da Tulipa Ruiz, (vencedor de melhor filme no Festival de Cinema de Vitória na categoria Vídeo Musical, melhor filme e direção no Los Angeles International Music Video e indicado ao MVF, Music Video Festival), “Ninguém Perguntou por Você”, da Letrux, “De Ontem”, da Liniker e “Náufrago”, da Majur.

Fundador do coletivo Representa, dedica-se a projetos audiovisuais com foco na promoção da diversidade. Foi curador e deu mentoria no Natura Musical 2020, que contemplou mais de 40 artistas, bandas e coletivos culturais.